Olha aí minha gente, esta é uma colaboração de Jeane Hanauer, Mestre em Letras/Análise do Discurso (UFRGS) o/
O deserto é um modo de ser.
(Clarice Lispector)
É fácil e ao mesmo tempo difícil falar sobre um tema tão multifacetado como este. Diante das muitas abordagens possíveis e dos muitos elementos envolvidos na discussão, a tarefa se assemelha a algo como tentar responder à pergunta “quem veio primeiro: o ovo ou a galinha?”
Previamente aviso, portanto, que meu texto não vai propor soluções, não vai fornecer respostas ou acrescentar algo inédito. Vou apenas “levantar algumas lebres” (como o leitor já terá percebido, gosto desta expressão).
Sempre que discutimos literatura aqui em Foz, é unânime a constatação de que poesia não tem mercado. Vou fazer minha intervenção afirmando, de entrada, que não é a poesia que não dá “ibope” e que está relegada aos bastidores. É bem pior que isso: o que não vende, o que não tem espaço, não tem mercado, não tem público, etc, etc, é a arte, de modo geral. E, aí, por consequência, o que não tem “consumidor”, na verdade, é a linguagem poética, ou seja, a linguagem de que é feito não somente o poema, mas a linguagem que perpassa toda arte – a música, o circo, o teatro, as artes plásticas, a dança, o cinema, a literatura. Por que o “código” ou signo poético está também nestas manifestações.
E esta linguagem não tem interlocutor (ou tem poucos) por que a “lógica” estabelecida é outra e parece não haver lugar nela para o poético: a lógica do fútil, do medíocre, do grosseiro, da burrice mesmo, sem falsos rodeios. E nesta lógica, as pessoas não querem raciocinar: querem “pôr a mão no joelho”, querem ficar “atoladinhas”, querem ir para o Big Brother e por aí afora, para citar apenas algumas aberrações do lixo midiático do Brasil que atentam contra a arte e o raciocínio.
O agravante é que isso faz parte de um círculo vicioso bem mais complexo e mais feio. É reflexo direto e imediato de um estado de coisas, um modus vivendi e operandi de uma população que, em esmagadora maioria, não é culta, não lê, não usa o intelecto, não reflete, não sabe votar, não acompanha a produção artística e cultural do país e não quer aprender coisas. Há uma parcela, sim, embora ínfima, que está fora desta estatística, felizmente.
Os indícios de tamanha desproporção são óbvios em toda parte: no cinema, a sala que exibe enlatado americano fica cheia, a que exibe cinema nacional (ou qualquer cinema de qualidade) fica vazia. O funk lota os lugares, a bossa nova não. E por aí afora. E a culpa é de quem? Dos artistas, do público, da mídia, das regras do mercado, do governo ou é de todos? Ou de ninguém? Quem trabalha com arte deve abandonar o que gosta e mudar de ramo? A arte é um produto que deve circular conforme a lei de oferta e demanda?
Esta é uma discussão que nunca terá fim e esse cenário sempre será assim. Porque sempre haverá gente de toda espécie no mundo, ou pelo menos duas espécies. Uma delas se reconhece facilmente, à distância, pela atitude de criar, observar, aprender, evoluir, libertar-se.
Gostou da autora? Visite o blog!